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Pelo menos uma vez por mês, um grupo de 60 pessoas se reúne
num galpão no Centro do Rio para comprar e vender produtos e serviços,
mas sem utilizar o real como moeda. O papel-moeda circulante ali é
o tupi e os centavos de tupi, os mirins. Já em São Paulo, cerca de 300 pessoas
se espalham aos domingos em cinco grupos em escolas e salas comerciais
da Zona Sul. Lá, o padrão monetário é o bônus,
negociado em valores de 0,5; 1; 2 e 5.
Excluídos - Os participantes desses grupos, produtores
e consumidores, são em geral pessoas de baixo poder aquisitivo,
que estão à margem do mercado de trabalho formal. São
pessoas de perfil semelhante à massa que, segundo o IBGE, passa
dos 50 milhões de pessoas pelo Brasil (número da população
não economicamente ativa do país). Através desse sistema
monetário paralelo, eles têm acesso a produtos, bens e serviços
que complementam e muitas vezes formam sua renda mensal.
As moedas "complementares" não têm inflação,
não podem ser poupadas e aplicadas, portanto não há
juro, jamais escasseiam e só podem circular dentro de clubes ou
de redes de trocas. O modelo, utilizado pela primeira vez em 1998 no bairro
de Santo Amaro, São Paulo, é inspirado na experiência
argentina, onde 400 mil pessoas em 14 províncias já movimentam
cerca de US$ 2 bilhões por ano com a moeda complementar local, o
crédito.
Social - "A esse tipo de instrumento monetário paralelo
dá-se o nome de moeda social, uma vez que possibilita a inserção
de pessoas excluídas da economia. Estamos reinventando a maneira
de fazer economia, onde o dinheiro é gerenciado pelas próprias pessoas, lastreado pela confiança,
a reciprocidade e a capacidade de produzir e consumir", afirma a socióloga
Heloisa Primavera, brasileira que mora na Argentina e uma das arquitetas
da idéia.
Os clubes são formados geralmente por moradores do mesmo bairro,
por membros de cooperativas de trabalho e associações. No
clube paulista, o sócio recebe, sob a forma de empréstimo,
50 bônus (ou B$ 50) para gastar na feira de troca. Ao mesmo tempo, deve levar para a feira um bem ou serviço
no mesmo valor para ser trocado ou vendido. Se desiste de participar, tem
que devolver os B$ 50 em moeda ou, se não os tiver, em forma de
serviço.
"A pessoa recebe os bônus porque talvez na primeira feira
não encontre comprador para seu produto e com a moeda já
pode comprar alguma coisa", explica Carlos Henrique de Castro, um dos sócios
à frente do projeto do Clube de Trocas de São Paulo. Castro
acumula o cargo de coordenador do clube e contador do banco que administra
as finanças dos sócios.
Moeda - Na verdade, ele exerce o papel de Banco Central, que
zela pelo equilíbrio da moeda em circulação. O banco
tem também a sua Casa da Moeda, onde o dinheiro é desenhado
num computador e impresso. Um bônus (B$ 1) equivale a R$ 1, mas a comparação é feita somente
para que as pessoas tenham uma idéia de quanto cobrar por seus produtos.
"Ao negociar, pensamos nos valores em bônus", diz Castro.
A regulação deste mercado não é
feita por decretos ou leis, mas por acordos informais entre os próprios
sócios. Ao final de cada feira, são realizadas reuniões
para discutir abuso de preços, qualidade dos produtos e políticas
de melhora das negociações.
Justiça - "As pessoas ouvem o que as outras têm
a dizer e as melhores idéias são implementadas. O mercado
é auto-regulador. Se o vizinho nota que a barraca ao lado está
cobrando um preço muito alto, ele faz críticas na reunião
e é por isso que não há inflação. Existe
consenso em torno da idéia de que todos devem praticar um preço
justo", afirma o economista Ronaldo Sousa, sócio do Clube de Trocas
de São Paulo.
De seis em seis meses, o banco central faz um balanço
para checar se a quantidade de moeda em circulação é
igual à quantidade de moeda emitida. A base monetária do
Clube de Trocas de São Paulo, ou seja, a quantidade de moeda em
circulação, é de B$ 15 mil. O controle é preciso
porque, ao participar da feira, os sócios informam a quantidade
de bônus com que entraram e com que saíram.
Tupi - No Rio, onde a experiência é mais recente,
o primeiro balanço do banco central, chamado de Ecobanco, deve sair
nos próximos meses.
Diferentemente do bônus paulista, o tupi vale R$ 5, valor
que é considerado justo pelo Dieese para uma hora de trabalho. A
base monetária do sistema carioca é de 1.620 unidades. Cada
clube ou rede de trocas tem autonomia para escolher o quanto valerá a moeda.
"Nosso intuito é mostrar que a sociedade pode ser pensada
de maneira diferente. Queremos resgatar o sentido original da moeda, que
é o de facilitar a troca", afirma Marcos Arruda, um dos coordenadores
da Rede de Trocas Solidárias do Rio.
Crescimento - A semente do sistema de moedas sociais continua
germinando e crescendo no país com rapidez. Um grupo em Caxias,
na Baixada Fluminense, e outro em Teresópolis, na Região
Serrana do Rio, está montando sua própria rede. A comunidade
da favela Conjunto das Palmeiras, em Fortaleza (CE), onde 90% dos 30 mil
moradores ganham até dois salários mínimos, também.
Lá a moeda se chamará palmares.